III
Sigmund Freud
A interpretação
dos sonhos
Tradução do alemão de Renato Zwick
Revisão técnica e prefácio de Tania Rivera
Ensaio biobibliográfico de Paulo Endo e Edson Sousa
L&PM EDITORES
IV
Texto de acordo com a nova ortografia.
Título original: Die Traumdeutung
A tradução desta obra foi apoiada por um subsídio concedido pelo
Goethe-Institut, financiado pelo Ministério das Relações Exteriores
alemão.
Este livro também está disponível na Coleção L&PM Pocket, em dois volumes
(vol. 1060 e 1061).
Tradução: Renato Zwick
Tradução baseada no vol. 2 da Freud-Studienausgabe, 11. ed., Frankfurt am Main,
Fischer, 2001
Revisão técnica e prefácio: Tania Rivera
Ensaio biobibliográfico: Paulo Endo e Edson Sousa
Preparação: Caroline Chang
Revisão: Patrícia Yurgel e Lia Cremonese
Capa: Marco Cena. Foto: Sigmund Freud (1921). Akg-Images/Latinstock
Cip-Brasil. Catalogação na fonte
Sindicato Nacional dos Editores de livros, RJ
F942i
Freud, Sigmund, 1856-1939
A interpretação dos sonhos, volume 1 / Sigmund Freud; tradução do alemão de Renato
Zwick, revisão técnica e prefácio de Tania Rivera, ensaio biobibliográfico de Paulo Endo
e Edson Sousa. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2012.
736p. – 23cm
Tradução de: Die Traumdeutung
Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-85-254-2632-1
1. Sonhos. 2. Psicanálise. I. Título. II. Série.
12-8902. CDD: 150.1952
CDU: 159.964.2
© da tradução, ensaios e notas, L&PM Editores, 2012.
Todos os direitos desta edição reservados a L&PM Editores, 2010
Rua Comendador Coruja, 314, loja 9 – Floresta – 90220-180
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Impresso no Brasil
Verão de 2013
V
Sumário
Itinerário para uma leitura de Freud
Paulo Endo e Edson Sousa .......................................................
IX
Prefácio
O sonho e o século – Tania Rivera........................................
XVII
A interpreta ção dos sonhos ...........................................
1
Nota preliminar ...............................................................................
3
Prefácio à segunda edição ..............................................................
5
Prefácio à terceira edição ..............................................................
7
Prefácio à quarta edição ................................................................
9
Prefácio à quinta edição ...............................................................
10
Prefácio à sexta edição.................................................................
11
Prefácio à oitava edição ................................................................
12
Preface to the third (revised) English edition.............................
13
I – A literatura científica sobre os problemas do sonho...............
15
A – A relação do sonho com a vida de vigília...........................
21
B – O material onírico – A memória no sonho .........................
25
C – Estímulos e fontes do sonho...............................................
37
1. Os estímulos sensoriais externos.....................................
38
2. Excitação sensorial interna (subjetiva) ...........................
46
3. Estímulo corporal orgânico e interno..............................
49
4. Fontes psíquicas de estímulo...........................................
56
D – Por que esquecemos o sonho após o despertar?.................
60
E – As particularidades psicológicas do sonho .........................
65
F – Os sentimentos éticos no sonho..........................................
84
VI
G – Teorias do sonho e função do sonho ..................................
94
H – Relações entre o sonho e as doenças mentais..................
109
Apêndice de 1909....................................................................
114
Apêndice de 1914....................................................................
116
II – O método de interpretação dos sonhos: a análise de
uma amostra onírica....
117
III – O sonho é uma realização de desejo ...................................
143
IV – A distorção onírica .............................................................
155
V – O material e as fontes do sonho ..........................................
184
A – O recente e o indiferente no sonho...................................
186
B – O infantil como fonte do sonho........................................
210
C – As fontes somáticas do sonho...........................................
241
D – Sonhos típicos..................................................................
263
α. O sonho embaraçoso de nudez......................................
264
β. Os sonhos com a morte de pessoas queridas.................
270
γ. Outros sonhos típicos....................................................
294
δ. O sonho com exames. ...................................................
296
VI – O trabalho do sonho ..........................................................
299
A – O trabalho de condensação...............................................
301
B – O trabalho de deslocamento .............................................
328
C – Os recursos figurativos do sonho .....................................
333
D – A consideração pela figurabilidade...................................
363
E – A figuração por meio de símbolos no sonho – Outros
sonhos típicos......................................
374
F – Exemplos – Cálculos e falas no sonho..............................
431
G – Sonhos absurdos – As produções intelectuais no sonho ..
451
H – Os afetos no sonho ...........................................................
485
I – A elaboração secundária ....................................................
514
VII
VII – Sobre a psicologia dos processos oníricos ........................
535
A – O esquecimento dos sonhos .............................................
539
B – A regressão .......................................................................
561
C – Sobre a realização de desejo.............................................
578
D – O despertar pelo sonho – A função do sonho –
O sonho de angústia ......................
601
E – Os processos primário e secundário – O recalcamento ....
616
F – O inconsciente e a consciência – A realidade ..................
637
Bibliografia .................................................................................
649
A. Obras citadas...........................................................................
649
B. Obras sobre o sonho publicadas antes de 1900.......................
674
Índice de sonhos..........................................................................
682
A. Sonhos do próprio Freud.........................................................
682
B. Sonhos de outras pessoas .......................................................
684
Índice de símbolos........................................................................
692
A. Símbolos .................................................................................
692
B. O simbolizado .........................................................................
694
Índice de nomes ............................................................................
696
Colaboradores desta edição.......................................................
705
1
A interpretação dos sonhos
Flectere si nequeo superos, Acheronta movebo1
1. “Já que no céu nada alcanço, recorro às potências do Inferno.” Virgílio, Eneida,
VII, 312. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Brasília, UnB, 1983. (N.T.)
3
Nota preliminar
Ao tentar expor nesta obra a interpretação dos sonhos, creio não
ter ultrapassado o âmbito dos interesses da neuropatologia. Pois no
exame psicológico o sonho mostra ser o primeiro termo na série das
formações psíquicas anormais de cujos termos seguintes – a fobia
histérica, as ideias obsessivas e as delirantes – o médico precisa se
ocupar por motivos práticos. Como veremos, o sonho não pode exigir
uma importância prática similar; tanto maior, porém, é o seu valor
teórico como paradigma, e quem não souber explicar a origem das
imagens oníricas também se esforçará em vão por compreender as
fobias, as ideias obsessivas e as delirantes, e, eventualmente, exercer
uma influência terapêutica sobre elas.
No entanto, o mesmo nexo ao qual nosso tema deve a sua importância
também pode ser responsabilizado pelas deficiências do
presente trabalho. Os pontos de ruptura, que serão encontrados com
tanta abundância nesta exposição, correspondem a outros tantos pontos
de contato em que o problema da formação do sonho se relaciona
com problemas mais amplos da psicopatologia que não puderam ser
tratados aqui e que deverão ser elaborados posteriormente se o tempo
e as forças o permitirem e se surgir mais material.
Esta publicação também foi dificultada pelas peculiaridades do
material usado para exemplificar a interpretação de sonhos. Ficará
evidente a partir do próprio trabalho por que todos os sonhos relatados
na literatura ou coligidos por fontes desconhecidas tinham de ser
inúteis para meus objetivos; eu apenas podia escolher entre os meus
próprios sonhos e os de meus pacientes em tratamento psicanalítico.
Fui impedido de usar este último material pela circunstância de que
nesse caso os processos oníricos estavam sujeitos a uma complicação
indesejável causada pela mescla de características neuróticas. Ao comunicar
meus próprios sonhos, no entanto, tornou-se inevitável mostrar
a desconhecidos mais do que eu gostaria acerca das intimidades
Nota preliminar
4
de minha vida psíquica e do que normalmente cabe a um autor que
não é poeta, e sim investigador da natureza. Foi algo embaraçoso,
mas imprescindível; conformei-me com isso, portanto, para não ter
de renunciar inteiramente à demonstração dos resultados de minhas
pesquisas psicológicas. Não pude, claro, resistir à tentação de aparar
as arestas de algumas indiscrições por meio de omissões e substitui-
ções; sempre que isso aconteceu, foi indiscutivelmente desvantajoso
para o valor dos exemplos que empreguei. Apenas posso manifestar
a expectativa de que os leitores deste trabalho se coloquem na minha
difícil situação a fim de serem indulgentes comigo, e, além disso,
que todas as pessoas que, de alguma forma, se julgarem referidas nos
sonhos comunicados permitam que pelo menos a vida onírica desfrute
da liberdade de pensamento.
5
Prefácio à segunda edição
O fato de ter sido necessária uma segunda edição deste livro de
difícil leitura, ainda antes de completada uma década, não se deve ao
interesse dos círculos especializados aos quais me dirigi na nota anterior.
Meus colegas da psiquiatria parecem não ter se dado ao trabalho
de superar a estranheza inicial que minha nova concepção do sonho
foi capaz de despertar, e os filósofos de ofício, acostumados a tratar
os problemas da vida onírica como um apêndice dos estados conscientes,
dispensando-os com algumas frases – as mesmas, na maioria
das vezes –, parecem não ter percebido que justamente desse ponto
podem ser extraídos muitos elementos que devem levar a uma transformação
radical de nossas teorias psicológicas. A atitude dos críticos
de publicações científicas apenas foi capaz de autorizar a expectativa
de que o destino desta minha obra era ser reduzida ao silêncio; tampouco
teria esgotado a primeira edição do livro o pequeno grupo de
adeptos corajosos que seguem minha orientação no uso médico da
psicanálise e que interpretam sonhos segundo meu exemplo a fim de
utilizar essas interpretações no tratamento de neuróticos. Sinto-me,
pois, agradecido a esse círculo mais amplo de pessoas instruídas e
ávidas de conhecimento cujo interesse me proporcionou o desafio,
após nove anos, de retomar este trabalho difícil e tão fundamental.
Alegro-me de poder dizer que encontrei poucas alterações a fazer.
Aqui e ali intercalei material novo, acrescentei alguns conhecimentos
que provêm de minha maior experiência e tentei reelaborar alguns
poucos pontos; no entanto, tudo o que é essencial sobre o sonho e sua
interpretação, bem como sobre as teses psicológicas daí derivadas,
permaneceu inalterado; pelo menos subjetivamente, resistiu à prova
do tempo. Quem conhece meus demais trabalhos (sobre a etiologia
e o mecanismo das psiconeuroses), sabe que nunca dei algo inacabado
por acabado e que sempre me esforcei em modificar as minhas
Prefácio à segunda edição
6
afirmações segundo o avanço de meus conhecimentos; no âmbito
da vida onírica, pude me deter nas minhas primeiras comunicações.
Nos longos anos de meu trabalho com os problemas das neuroses, fui
levado a vacilar repetidas vezes e fiquei desnorteado quanto a muitos
deles; nesses momentos, foi sempre A interpretação dos sonhos que
devolveu minha segurança. Meus numerosos adversários científicos
mostram um instinto certeiro, portanto, quando não querem me seguir
precisamente no campo da investigação dos sonhos.
Durante a revisão, o material deste livro – sonhos próprios em
grande parte desvalorizados ou ultrapassados pelos acontecimentos e
que utilizei para ilustrar as regras da interpretação de sonhos – também
mostrou uma solidez que resistiu a modificações decisivas. Pois para
mim este livro ainda tem uma outra importância subjetiva, que pude
compreender apenas após terminá-lo. Ele se mostrou como uma parte
de minha autoanálise, como minha reação à morte de meu pai, ou
seja, ao acontecimento mais significativo, à perda mais incisiva, na
vida de um homem. Depois de reconhecer isso, me senti incapaz de
apagar as marcas dessa influência. Para o leitor, no entanto, talvez seja
indiferente com que material aprenda a apreciar e a interpretar sonhos.
Quando não consegui encaixar uma observação imperiosa no
antigo contexto, indiquei por meio de colchetes que ela se origina
desta reedição.2
Berchtesgaden, verão de 1908
2. Os colchetes foram omitidos nas edições posteriores. [Nota acrescentada em 1914.]
7
Prefácio à terceira edição
Enquanto o tempo transcorrido entre a primeira e a segunda edição
deste livro foi de nove anos, a necessidade de uma terceira já se fez
sentir depois de pouco mais de um ano. Devo me alegrar com essa
mudança; se antes, porém, eu não quis admitir que a negligência de
minha obra por parte dos leitores fosse uma prova de seu desvalor,
também não posso aproveitar o interesse agora evidente como prova
de sua qualidade.
O avanço do conhecimento científico também não deixou intocada
A interpretação dos sonhos. Quando a redigi em 1899, a Teoria
sexual ainda não existia, e a análise das formas mais complexas de
psiconeurose ainda estava em seu início. A interpretação de sonhos
tinha o propósito de se tornar um recurso para possibilitar a análise
psicológica das neuroses; desde então, o entendimento aprofundado
das neuroses agiu sobre a concepção do sonho. A própria teoria da
interpretação dos sonhos avançou numa direção que não havia sido
acentuada suficientemente na primeira edição deste livro. Tanto por
experiência própria quanto por meio dos trabalhos de W. Stekel e
outros, aprendi desde então a apreciar com mais acerto o alcance e a
importância do simbolismo no sonho (ou antes, no pensamento inconsciente).
Dessa forma, foi se acumulando no curso dos anos muito
material que exigia atenção. Procurei levar em conta essas inovações
por meio de numerosas inserções no texto e acréscimo de notas de rodapé.
Se agora esses acréscimos ameaçam ocasionalmente extrapolar
os limites da exposição ou se não foi possível elevar o texto antigo
ao nível de nossos conhecimentos atuais em todas as passagens, peço
indulgência em relação a essas deficiências do livro, visto que são
apenas consequências e sinais do atual desenvolvimento acelerado de
nosso saber. Também me atrevo a prever as outras direções em que
as edições posteriores de A interpretação dos sonhos – caso sejam
necessárias – se afastarão da atual. Elas deverão, por um lado, buscar
Prefácio à terceira edição
8
uma ligação mais estreita com o rico material da poesia, do mito, do
uso linguístico e do folclore, e, por outro, tratar das relações do sonho
com a neurose e a perturbação mental ainda mais minuciosamente
do que foi possível aqui.
Otto Rank me prestou um serviço valioso na seleção dos acréscimos,
cuidando sozinho da revisão das provas tipográficas. Sou grato
a ele e a muitos outros por suas contribuições e reparos.
Viena, primavera de 1911
9
Prefácio à quarta edição
Ano passado (1913), em Nova York, o dr. A.A. Brill conseguiu
fazer uma tradução deste livro para o inglês (The Interpretation of
Dreams, G. Allen & Co., Londres).
Desta vez, o dr. Otto Rank não só cuidou das correções, mas
também enriqueceu o texto com duas contribuições independentes
(apêndice do capítulo VI).
Viena, junho de 1914
10
Prefácio à quinta edição
O interesse por A interpretação dos sonhos também não arrefeceu
durante a Guerra Mundial e ainda antes de seu término tornou
necessária uma nova edição. Nela, porém, a nova literatura posterior
a 1914 não pôde ser levada em conta na sua totalidade; na medida
em que foi publicada em língua estrangeira, ela absolutamente não
chegou ao meu conhecimento e ao do dr. Rank.
Uma tradução húngara de A interpretação dos sonhos, elaborada
pelo dr. Hollós e pelo dr. Ferenczi, está prestes a ser publicada. Em
minhas Conferências de introdução à psicanálise, publicadas em
1916/1917 (por H. Heller, em Viena), a parte central, abrangendo
onze conferências, é dedicada a uma exposição sobre o sonho que se
esforça por ser mais elementar e se propõe a estabelecer uma ligação
mais estreita com a teoria das neuroses. No todo, ela tem o caráter
de um resumo de A interpretação dos sonhos, embora, em algumas
passagens, seja bastante detalhada.
Não pude me decidir a fazer uma revisão pormenorizada deste livro;
isso o colocaria no nível de nossas atuais teses psicanalíticas, mas em
compensação destruiria sua peculiaridade histórica. Penso, porém, que
em seus quase vinte anos de existência ele cumpriu sua tarefa.
Steinbruch, Budapeste, julho de 1918
11
Prefácio à sexta edição
As dificuldades em que se encontra atualmente o mercado livreiro
tiveram por consequência que esta nova edição fosse publicada apenas
muito depois das exigências da demanda, e que seja – pela primeira
vez – uma reimpressão inalterada da edição anterior. Apenas a bibliografia
no final do livro foi completada e continuada pelo dr. O. Rank.
Minha suposição de que este livro tivesse cumprido sua tarefa em
seus quase vinte anos de existência não foi, portanto, confirmada. Eu
diria, antes, que ele tem uma nova tarefa a desempenhar. Se antes se
tratava de dar algumas explicações sobre a natureza do sonho, agora
se torna igualmente importante combater os tenazes mal-entendidos
a que essas explicações estão expostas.
Viena, abril de 1921
12
Prefácio à oitava edição
No intervalo entre a última edição deste livro (a sétima, de 1922)
e a presente reedição, a Internationaler Psychoanalytischer Verlag, de
Viena, publicou as minhas Gesammelte Schriften [Obras reunidas].
Nelas, o texto reimpresso da primeira edição constitui o segundo
volume, e todos os acréscimos posteriores estão reunidos no terceiro.
As traduções publicadas no mesmo intervalo se baseiam na forma
avulsa do livro: a francesa, de I. Meyerson, sob o título de La science
des rêves (na “Bibliothèque de Philosophie contemporaine”, 1926),
a sueca, de John Landquist (Drömtydning, 1927), e a espanhola, de
Luis López-Ballesteros y de Torres, que ocupa os volumes VI e VII
das Obras completas. A tradução húngara, que já em 1918 eu julgava
iminente, ainda hoje não foi publicada.
Também na presente revisão de A interpretação dos sonhos tratei
a obra essencialmente como documento histórico, fazendo nela apenas
as modificações sugeridas pela aclaração e pelo aprofundamento de
minhas opiniões. Em harmonia com essa orientação, desisti em definitivo
de catalogar a literatura sobre os problemas do sonho publicada
depois da primeira edição deste livro e omiti as seções correspondentes
de edições anteriores. Foram suprimidos, igualmente, os ensaios
“Sonho e literatura” e “Sonho e mito”, contribuições de Otto Rank
às edições anteriores.
Viena, dezembro de 1929
13
Preface to the third (revised)
English edition
In 1909 G. Stanley Hall invited me to Clark University, in Worcester,
to give the first lectures on psycho-analysis. In the same year
Dr. Brill published the first of his translations of my writings, which
were soon followed by further ones. If psycho-analysis now plays a
role in American intellectual life, or if it does so in the future, a large
part of this result will have to be attributed to this and other activities
of Dr. Brill’s.
His first translation of The Interpretation of Dreams appeared in
1913. Since then much has taken place in the world, and much has
been changed in our views about the neuroses. This book, with the
new contribution to psychology which surprised the world when it
was published (1900), remains essentially unaltered. It contains, even
according to my present-day judgement, the most valuable of all the
discoveries it has been my good fortune to make. Insight such as this
falls to one’s lot but once in a lifetime.
Vienna, March 15, 19313
3. Prefácio à terceira edição inglesa (revista)
Em 1909, G. Stanley Hall me convidou a fazer as primeiras conferências sobre
psicanálise na Clark University, em Worcester. No mesmo ano, o dr. Brill publicou
a primeira tradução de meus textos, logo seguida por outras. Se hoje a psicanálise
representa algum papel na vida intelectual norte-americana, ou se representar no
futuro, grande parte desse resultado deverá ser atribuído a esta e a outras atividades
do dr. Brill.
Sua primeira tradução de A interpretação dos sonhos foi publicada em 1913. Desde
então, muitas coisas aconteceram no mundo e muito mudou em nossa visão sobre as
neuroses. Este livro, com a nova contribuição à psicologia que surpreendeu o mundo
quando publicado (1900), não sofreu alterações essenciais. Ele contém, mesmo
segundo meu julgamento atual, a mais valiosa descoberta que tive a felicidade de
fazer. Um insight como esse só nos ocorre uma vez na vida. (N.T.)
14
15
I
A Literatura Científica
Sobre Os Problemas Do Sonho
Nas páginas seguintes demonstrarei que existe uma técnica psicológica
que permite interpretar sonhos e que mediante a aplicação desse
procedimento todo sonho se mostra como uma formação psíquica
de pleno sentido que pode ser incluída num ponto determinável da
atividade psíquica do estado de vigília. Além disso, tentarei explicar
os processos dos quais resultam a estranheza e a irreconhecibilidade
do sonho e extrair deles uma conclusão sobre a natureza das forças
psíquicas de cuja atuação conjunta ou antagônica ele se origina. Nessa
altura, minha exposição será interrompida, pois terá atingido o ponto
em que o problema do sonho desemboca em problemas mais amplos,
cuja solução deve ser abordada a partir de material diverso.
Apresento inicialmente um panorama dos resultados de autores
que me precederam, bem como do estado atual dos problemas do
sonho na ciência, pois ao longo deste estudo não terei muitas ocasiões
de retornar a esses pontos. Apesar de um esforço mais que milenar, a
compreensão científica do sonho avançou muito pouco. Isso é admitido
de uma maneira tão geral pelos autores que parece supérfluo citar
vozes isoladas. Nos textos cuja lista anexei ao final de meu trabalho
se encontram muitas observações instigantes e muito material interessante
sobre nosso tema, mas nada ou pouco que toque a essência do
sonho ou que resolva de maneira definitiva algum de seus enigmas.
Menos ainda, é claro, passou ao conhecimento dos leigos instruídos.
Que concepção de sonho se encontrava entre os povos primitivos
nas épocas pré-históricas da humanidade e que influência ele pode ter
exercido na formação de suas ideias sobre o mundo e a psique? Esse
16
I – A literatura científica sobre os problemas do sonho
é um tema tão interessante que apenas a contragosto deixo de abordá-
-lo neste contexto. Indico as conhecidas obras de Sir J. Lubbock, H.
Spencer, E.B. Tylor e outros, acrescentando apenas que o alcance
desses problemas e especulações só pode se tornar compreensível
depois de cumprirmos a tarefa da “interpretação dos sonhos” que
temos diante de nós.
Na base da apreciação que os povos da Antiguidade clássica
faziam dos sonhos se encontra, de maneira evidente, um eco da
concepção primitiva.1
Eles supunham que os sonhos estivessem relacionados
com o mundo de seres sobre-humanos no qual acreditavam
e que trouxessem revelações da parte de deuses e demônios. Além
disso, se impôs a eles a ideia de que os sonhos tinham um propósito
importante para o sonhador; via de regra, comunicar-lhe o futuro.
Contudo, a extraordinária diversidade de conteúdos e de impressões
do sonho dificultou a criação de uma concepção unitária e obrigou a
múltiplas distinções e agrupamentos de sonhos conforme seu valor e
sua confiabilidade. Entre os filósofos da Antiguidade, naturalmente,
a apreciação do sonho não era independente da posição que estavam
dispostos a conceder à mântica em geral. [1914]
Nos dois textos de Aristóteles que tratam do sonho, este já se
transformou em objeto da psicologia. Segundo eles, o sonho não é
enviado pelos deuses, não é de natureza divina, mas demoníaca, visto
que a natureza é demoníaca e não divina; ou seja, o sonho não provém
de qualquer revelação sobrenatural, mas é consequência das leis do
espírito humano, que, no entanto, é aparentado com a divindade. O
sonho é definido como a atividade psíquica da pessoa adormecida
enquanto dura seu sono.
Aristóteles conhece algumas das características da vida onírica,
como o fato, por exemplo, de o sonho reinterpretar pequenos estímulos
que ocorrem durante o sono e exagerá-los (“acreditamos passar pelo
fogo e nos aquecermos quando o que ocorre é apenas um aquecimento
1. O que segue se baseia na meticulosa exposição de Büchsenschütz (1868). [Nota
acrescentada em 1914.]
17
I – A literatura científica sobre os problemas do sonho
bastante insignificante deste ou daquele membro”), tirando desse
comportamento a conclusão de que os sonhos muito bem poderiam
revelar ao médico os primeiros sinais, não perceptíveis durante o dia,
de uma alteração incipiente no corpo.2
Como se sabe, antes de Aristóteles os antigos não consideravam
o sonho um produto da psique que sonha, e sim uma inspiração de
origem divina, e as duas correntes antagônicas que sempre encontraremos
na apreciação da vida onírica já tinham se afirmado entre eles.
Fazia-se distinção entre sonhos verdadeiros e valiosos, enviados à
pessoa que dorme para adverti-la ou lhe anunciar o futuro, e sonhos
insignificantes, enganadores e fúteis, cuja intenção era desorientá-la
ou precipitá-la na ruína.
Gruppe (1906, vol. 2, p. 930) reproduz uma dessas classificações
de sonhos conforme Macróbio e Artemidoro: “Os sonhos eram divididos
em duas classes. A primeira seria influenciada apenas pelo presente
(ou pelo passado), mas sem importância para o futuro; ela abrangia
os , insomnia, que reproduzem diretamente a representação
dada ou o seu oposto, como a fome ou a sua saciação, por exemplo,
e os , que ampliam de maneira fantástica a representação
dada, como, por exemplo, o pesadelo, ephialtes. A outra classe, pelo
contrário, era considerada determinante para o futuro; a ela pertencem:
1) a profecia direta que se recebe no sonho ( , oraculum),
2) a predição de um acontecimento iminente ( , visio), 3) o sonho
simbólico, que requer interpretação ( , somnium). Essa teoria
se manteve durante muitos séculos”. [1911]
A tarefa de uma “interpretação dos sonhos” estava relacionada
com essas diferentes apreciações. Visto que em geral se esperava
esclarecimentos importantes dos sonhos, mas nem todos eram imediatamente
compreendidos, e não se podia saber se determinado sonho
incompreensível anunciava ou não algo importante, ganhou ímpeto o
esforço de substituir o conteúdo incompreensível por outro que fosse
2. Em um capítulo de sua famosa obra, o médico grego Hipócrates trata da relação
entre o sonho e as doenças. [Nota acrescentada em 1914.]
18
I – A literatura científica sobre os problemas do sonho
inteligível e significativo. No último período da Antiguidade, Artemidoro
de Daldis era considerado a maior autoridade na interpretação
de sonhos, e sua obra minuciosa tem de nos compensar pelos textos
perdidos sobre o mesmo tema.3
[1914]
A concepção pré-científica dos antigos sobre o sonho certamente
se encontrava em plena harmonia com toda sua visão de mundo, que
costumava projetar no mundo externo, como realidade, aquilo que
era real apenas na vida psíquica. Além disso, ela levava em conta a
principal impressão que a vida de vigília recebe da lembrança que resta
do sonho após o despertar, pois nessa lembrança o sonho se opõe ao
conteúdo psíquico restante como algo estranho, que, por assim dizer,
provém de um outro mundo. Seria equivocado, aliás, achar que a
teoria da origem sobrenatural dos sonhos não tem adeptos em nossos
dias; descontando-se todos os escritores místicos e pietistas – que,
afinal, fazem bem em ocupar o que resta do outrora vasto território
do sobrenatural enquanto ele não for inteiramente conquistado pelas
explicações das ciências da natureza –, também encontramos homens
perspicazes e avessos a toda excentricidade que procuram apoiar sua
crença religiosa na existência e na intervenção de forças espirituais
sobre-humanas invocando precisamente o caráter inexplicável dos
fenômenos oníricos (Haffner, 1887). A apreciação da vida onírica
por parte de algumas escolas filosóficas, como a dos seguidores de
Schelling, por exemplo, é um eco nítido da divindade incontestável
do sonho na Antiguidade, assim como também não está encerrada a
discussão sobre a força divinatória, anunciadora do futuro, própria
do sonho, pois as tentativas de explicação psicológica não bastam
3. Sobre os destinos posteriores da interpretação de sonhos na Idade Média, confira
Diepgen (1912) e as investigações especializadas de M. Förster (1910 e 1911) e
Gotthard (1912), entre outros. Almoli (1848), Amram (1901) e Löwinger (1908)
abordaram a interpretação de sonhos entre os judeus, bem como, recentemente,
Lauer (1913), que considera o ponto de vista psicanalítico. Temos conhecimento da
interpretação árabe de sonhos por Drexl (1909), F. Schwarz (1913) e pelo missioná-
rio Tfinkdji (1913); da japonesa por Miura (1906) e Iwaya (1902); da chinesa por
Secker (1909-1910) e da indiana por Negelein (1912). [Nota acrescentada em 1914.]
19
I – A literatura científica sobre os problemas do sonho
para dar conta do material acumulado, por mais inequivocamente
que as simpatias daqueles que se dedicam ao pensamento científico
se inclinem a rejeitar semelhante asserção.
As dificuldades em escrever uma história de nosso conhecimento
científico dos problemas do sonho são tão grandes porque
nesse conhecimento, por mais valioso que ele tenha se tornado em
alguns pontos, não se pode notar um progresso que siga direções
determinadas. Não chegou a se constituir um alicerce de resultados
seguros sobre os quais um investigador posterior pudesse continuar
construindo, mas cada novo autor aborda outra vez e como que do
início os mesmos problemas. Se eu quisesse me ater à ordem cronológica
dos autores e comunicar um resumo das opiniões de cada um
deles sobre os problemas do sonho, teria de renunciar ao esboço de
um panorama do estado atual do conhecimento sobre a vida onírica;
por isso, preferi me reportar aos temas e não aos autores em minha
exposição, mencionando a propósito de cada um dos problemas do
sonho o material existente na literatura para sua solução.
Porém, como não tive êxito em dar conta de toda literatura sobre
o assunto, que é tão dispersa e avança sobre outros campos, tenho
de pedir a meus leitores que se contentem com a perspectiva de que
nenhum fato fundamental e nenhum ponto de vista importante tenham
se perdido em minha exposição.
Até pouco tempo atrás, a maioria dos autores se via obrigada a
tratar do sono e do sonho no mesmo contexto, acrescentando, via de
regra, uma apreciação de estados análogos, que entram no campo da
psicopatologia, e de ocorrências oniroides (como as alucinações, as
visões etc.). Em compensação, nos trabalhos mais recentes se mostra o
empenho de restringir o tema e tomar como objeto, por exemplo, uma
questão isolada do âmbito da vida onírica. Quero ver nessa mudança
uma expressão da convicção de que em assuntos tão obscuros só se
pode obter esclarecimento e concordância por meio de uma série de
investigações de detalhe. Não posso oferecer aqui outra coisa senão
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I – A literatura científica sobre os problemas do sonho
uma investigação desse tipo, e, para ser mais exato, de natureza especificamente
psicológica. Tive poucas oportunidades de me ocupar
com o problema do sono, pois ele é essencialmente um problema
fisiológico, embora a mudança nas condições de funcionamento do
aparelho psíquico deva ser incluída na caracterização do estado de
sono. A literatura sobre o sono, portanto, também não é considerada
aqui.
O interesse científico pelos fenômenos oníricos em si conduz aos
questionamentos seguintes, que em parte se superpõem.